A NEGOCIAÇÃO NO ESPORTE EM TEMPOS DE CRISE

Por Filipe Souza

O fato de ser a pandemia da COVID-19 um acontecimento sem precedentes, impede que as autoridades encontrem em seus arquivos uma fórmula pronta e acabada que se apresente como solução a todos os conflitos decorrentes. Não há uma jurisprudência a seguir.

Especificamente na seara do desporto, que possui a característica de ultrapassar fronteiras e reunir fontes normativas diversas em um mesmo contexto, a tarefa é ainda mais árdua. Não é sem razão que as entidades internacionais se limitam a oferecer diretrizes não vinculantes para que os stakeholders do esporte tenham uma direção na busca de uma resposta para os desafios enfrentados, especialmente nas relações desportivo-trabalhistas.

Ao publicar o “COVID-19 Football Regulatory Issues”, a FIFA recomenda, de maneira contundente, que os clubes, atletas e técnicos trabalhem juntos em negociações coletivas sobre as condições de emprego durante a suspensão das competições, abrangendo salários e benefícios. Sugere, ainda, que as decisões unilaterais para modificar os contratos podem não ser reconhecidas, de acordo com determinados requisitos.

O Basketball Arbitral Tribunal – BAT, órgão arbitral responsável pela solução dos litígios da modalidade, ao divulgar o “COVID-19 Guidelines”, igualmente afirmou que os acordos amigáveis são o meio preferido para resolver as disputas surgidas durante a pandemia, relembrando estarem as partes sob dever de renegociarem com boa-fé os termos dos contratos.

Regressando aos esforços do governo brasileiro para preservar o emprego e a renda, as medidas provisórias conferem valor a determinados acordos individuais alcançados por empregados e empregadores, bem como reforça a importância da negociação coletiva, envolvendo a organização sindical.

Pelo o que dizem FIFA, FIBA e também o ordenamento jurídico brasileiro, para usar esses exemplos, não há caminho senão a construção de soluções pela negociação.

No contexto de negociação, especialmente no esporte, é oportuna a lição de William Ury ao proferir paletra sobre o tema: “(…) one of the great challenges in negotiation is the construction of trust[1].

Não obstante a negociação seja o instrumento reiteradamente invocado para se buscar soluções em tempos de COVID-19, inequivocamente haverá de conviver com a histórica desconfiança que existe, reciprocamente, entre dirigentes, atletas e comissões técnicas.

O elevado número de disputas submetidas ao Poder Judiciário Trabalhista, no caso do Brasil, e também aos órgãos de resolução de disputas das entidades internacionais, demonstra que ainda não houve êxito na construção de um ambiente saudável nas relações de emprego no esporte. A confiança não tem lugar onde não há credibilidade, e isso só se conquista com o tempo.

Não se pode recuperar o tempo, mas igualmente não se pode duvidar da capacidade do ser humano se reinventar, especialmente em momentos de crise, e, quem sabe, não seja superada a desconfiança para que se possa encontrar soluções negociadas.

[1] https://www.youtube.com/watch?v=sajCKwxXG_g acessado em 23/04/2020, às 15:35.