Por Letícia Gatto
Independentemente do quão desenvolvida seja a governança corporativa de uma empresa, certamente ninguém havia se preparado para lidar com a pandemia vivenciada no início de 2020. Evidentemente, a pandemia de COVID-19 atingiu tanto o âmbito social e de saúde, quanto o negocial, e seu agravamento é exponencial em todas as áreas afetadas.
Como consequência da severidade da crise e tentando adaptar-se a uma nova realidade, muitas empresas são obrigadas a adequar seus negócios a este novo cenário econômico e jurídico, de modo a buscar a repactuação de contratos, o estabelecimento de novas relações de trabalho e o fortalecimento de parcerias.
Destarte, destaca-se como providência indispensável a correta observância às regras de governança e compliance no atual cenário. Afinal, os possíveis riscos decorrentes dessa nova realidade são consideráveis, resultando na necessidade da plena observância de regras e princípios que assegurem a preservação dos negócios, de modo que os impactos financeiros, jurídicos e reputacionais, sejam os menores possíveis.
Como consequência da necessidade de adequação às mudanças vertiginosas durante os períodos de crise, pode-se observar estatisticamente um aumento da oportunidade para que ocorram atos antagônicos aos princípios das empresas, principalmente pela ausência de fiscalização diante do surgimento de assuntos emergenciais a serem tratados pela empresa, em detrimento dos programas de compliance.
Em pesquisa realizada pela PwC em 2014, verificou-se que 74% (setenta e quatro por cento) dos entrevistados entendem que “a oportunidade é o fator principal para se cometer um crime econômico”.[1]
Assim, quanto mais nova e excepcional for uma situação, maior é a possibilidade de que se adotem processos emergenciais, muitas vezes fora dos padrões de compliance, criando-se uma cultura de aceitação ou justificação de condutas irregulares. Imagina-se que, de alguma forma, as empresas passam a enfrentar o questionamento sob a máxima “os fins justificam os meios”.
Diante disso, os departamentos de compliance das empresas, ao contrário do que se pode pensar, devem ser ainda mais ativos, deixando certo para todos os colaboradores que é responsabilidade tanto dos funcionários quanto da alta direção se comprometerem ao enfrentamento do período de crise com mais segurança, afinal o período de incertezas não permite o desvio das políticas internas.
É essencial que todos tenham ciência de que só é possível superar a crise dentro de um ambiente íntegro e que qualquer desvio de conduta neste momento, objetivando encurtar o processo de superação do cenário econômico atual decorrente da pandemia, pode prolongar a crise ou criar novas problemáticas com consequências ainda piores.
Durante o período de distanciamento social, os departamentos de compliance são fundamentais para fortalecer a mensagem de integridade dentro das companhias e fornecer o respaldo necessário, possibilitando a manutenção das operações padrões, bem como adequando os contratos durante o período de crise.
Dessa forma, as empresas precisam despender especial atenção ao reforço e adequação das políticas internas para o momento atual. Ressalta-se que as políticas devem permanecer em vigor mesmo que a atividade esteja sendo exercida de maneira remota.
Algumas medidas que podem ser tomadas pela alta direção são o (i) reforço das políticas internas para funcionários em regime de home office (teletrabalho); (ii) prática de due diligence para contratações emergenciais; (iii) criação de procedimentos cautelosos para a realização de eventuais doações; (iv) desenvolvimento de protocolos de segurança a fim de evitar a exposição desnecessária dos funcionários
Por fim, percebe-se que é basilar que os programas de compliance sejam rigorosamente cumpridos e até mesmo reforçados ou ajustados durante o período de crise, uma vez que eventuais condutas fraudulentas ou ilícitas neste momento podem gerar prejuízos irreparáveis, mesmo após superado o cenário atual.
A despeito de qualquer dificuldade de implementação dos programas de compliance que as empresas possam enfrentar, é mister que as empresas se utilizem deste instrumento de gestão, que será fundamental para a superação dos desafios impostos pela pandemia.
[1] Pesquisa Global sobre Crimes Econômicos 2014 – Brasil. Realizada pela PwC https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/servicos/assets/consultoria-negocios/pesquisa-gecs-2014.pdf