Fato do Príncipe e os Contratos de Trabalho Durante a Pandemia

Fato do Príncipe e os Contratos de Trabalho Durante a Pandemia

Por Talita Novaes

A teoria factum principis, conhecida como fato do príncipe, vem ganhando destaque na Justiça do Trabalho como alternativa dos empregadores às primeiras consequências da crise econômica que está se agravando em decorrência da pandemia do Covid-19.

A legislação trabalhista prevê, em seu artigo 486, a possibilidade de responsabilizar os municípios, estados e até mesmo o governo federal pelo pagamento de possíveis verbas rescisórias aos trabalhadores demitidos em decorrência da restrição das atividades econômicas da empresa, ensejando o que é conhecido como fato do príncipe.

O Decreto Legislativo nº 6/2020 reconhece a hipótese de força maior e a Medida Provisória nº 927/2020 decreta o estado de calamidade pública e com isso, para cumprir as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a maioria dos estados brasileiros decretaram a quarentena e determinaram o funcionamento apenas de atividades essenciais, com o intuito de preservar a vida, na tentativa de reduzir o impacto social e a crise sanitária.

Com isso, as medidas impostas trazem a impressão de que a situação poderia ser enquadrada o fato do príncipe, no entanto, a despeito de existir a força maior, os estados e municípios não determinaram o fechamento de um ou outro setor, mas sim de todas aquelas empresas que não são essenciais.

Na tentativa de reduzir os impactos causados pelas medidas de enfrentamento à pandemia, o governo federal instituiu programas emergenciais para possibilitarem que as empresas diminuíssem seus prejuízos, sem que, para tanto, precisassem demitir seus funcionários.

A Medida Provisória nº 927/2020 trouxe a possibilidade de antecipação de férias individuais, férias coletivas e antecipação de feriados. Complementando tais possibilidades de ações, a Medida Provisória nº 936/2020 trouxe a possibilidade de redução proporcional de jornada e de salário e suspensão temporária do contrato de trabalho, ambos com previsão de pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda.

O direito é dinâmico e ainda é cedo para trazer um posicionamento uníssono dos tribunais a esse respeito, no entanto, pode se observar que as varas do trabalho têm decidido pela não aplicação do fato do príncipe, inclusive pelo fato de que traria ainda mais prejuízo ao trabalhador que teria seus direitos reduzidos.

Nesse sentido, recente decisão da 52ª do Trabalho do Rio de Janeiro concluiu pela nulidade das dispensas da Churrascaria Fogo de Chão, em caso que foi amplamente divulgado pela mídia, determinando, em sede de tutela provisória, a reintegração imediata de cerca de 100 funcionários que foram demitidos sem justa causa, no início de abril de 2020, em duas unidades da empresa na capital carioca.

A fundamentada decisão afirmou que as medidas adotadas pelo Poder Público não demonstram a ocorrência do fato do príncipe, por não configurarem “causa principal da suspensão parcial e temporária das atividades empresariais, mas, sim, a necessidade de isolamento social para a contenção do potencial lesivo do vírus Covid-19, em caráter de pandemia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. Assim, o Poder Público não agiu em prejuízo de determinados agentes e setores, tendo adotado medidas de caráter amplo e geral, necessárias para evitar o caos social e sanitário.

A decisão reconhece as dificuldades financeiras trazidas pela pandemia, mas lembra que a empresa, de grande porte, possui unidades em outros estados e no exterior, não sendo justificável a “impossibilidade de manutenção dos postos de trabalho, sem ao menos tentar a adoção das medidas autorizadas nas Medidas Provisórias nº 927 e 936 de 2020”.

Ressalta ainda a importância da negociação coletiva, para que, através do diálogo, os envolvidos encontrem alternativas que reduzam os impactos para a sociedade como um todo, por isso, a decisão determinou que a empresa não dispense mais de 10 empregados sem prévia negociação coletiva enquanto durar os efeitos da decisão.

Em casos como o citado, o acolhimento da alegação do fato do príncipe fere os mais elementares princípios trabalhistas, como a proporcionalidade, continuidade, razoabilidade e solidariedade. Portanto, não há razão para a aplicação do fato do príncipe, tendo em vista que o risco da atividade é da própria empresa, como dispõe o artigo 2, §2º da CLT e o artigo 170, III da Constituição Federal, não podendo ser repassado para terceiro.

 

*O inteiro teor da decisão mencionada pode ser consultado no processo nº 0100413-12.2020.5.01.0052.